terça-feira, 30 de junho de 2009






"As palavras são de carne e osso, seres vivos. A carne macia das vogais e a ossatura das consoantes. Escrevo, e creio que este é meu aparelho de controle: o idioma português, tal como o usamos no Brasil; entretanto, no fundo, enquanto vou escrevendo, eu traduzo, eu extraio de muitos outros idiomas. Disso resultam meus livros, escritos em um idioma próprio, meu, e pode-se deduzir daí que não me submeto à tirania da gramática e dos dicionários dos outros. A gramática e a chamada filologia ciência lingüística, foram inventadas pelos inimigos da poesia”.



(1983: Rosa, 88/em entrevista a Günter Lorenz, em 1965).




Um homem que tão bem usou as palavras e que a elas eternizou com tanta propriedade e sabedoria em sua obra literária certamente receberia com entusiasmo em sua casa Museu uma proposta em que a palavra torna-se sujeito e objeto a ser repensado, recriado, pesquisado e, sobretudo desenhado por culturas, como a dos xacriabás, que a usavam até bem pouco tempo apenas oralmente, e hoje reapropriam e redescobrem a sua língua escrita, muitas vezes num árduo exercício de reencontro com as palavras esquecidas. Dizem que os xacriabás são confluência de vários povos, inclusive africanos e ibéricos, e que originalmente haveria predominância em suas linguagens de uma língua da família Jê. Por isso, torna-se oportuno e extremamente instigante selar este encontro numa ação educativa que beba da confluência destas duas águas, “água da palavra” como diria Caetano em sua bela letra para a música de Milton inspirada no conto “A outra margem do Rio” do nosso grande escritor. Do encontro de Guimarães com alguns destes povos (ele conhecia a gramática do tupi), e de sua estupefação ante a novidade da língua falada por eles, Rosa diz que a língua dos Terenos é rápida, ríspida, e segue dizendo: “uma língua não propriamente gutural, não guarani, não nasal, não cantada; mas firme, contida, oclusiva e sem molezas”. Conclui, por fim, que tão logo a ouviu respeitou-a, assim como respeitou seus falantes, como se eles representassem alguma cultura velhíssima. Rosa então cita em texto: "Uns índios, sua fala” várias palavras deste idioma que ele foi anotando em seu “caderninho” (ah, o caderninho sempre presente) com a ajuda dos nativos, e espanta-se com algo que observa no nome das cores: vermelho -a-ra-ra-i’ti; verde –ho-no-no-i’ti; amarelo –he-ya-i’ti. Observa, como nos podemos fazer, que o elemento i’ti devia significar “cor”. Resolvido a se embrenhar na língua estranha, Rosa vai entrevistar velhos moradores, os mais antigos Terenos vivos em Aquidauana: lá descobre que o elemento i´ti afinal, não significa cor, mas sim sangue, e portanto vermelho seria sangue de arara; verde, sangue das plantas; amarelo sangue do sol e assim por diante. Guimarães Rosa se angustia, porém, porque não conseguiu descobrir o sentido de algumas palavras e de outras cores, pois os moradores antigos lhe diziam apenas que aquilo não tinha mais sentido nenhum, que não significavam nada, que diziam assim porque assim o diziam. Então João destila: “Toda língua são rastros de velho mistério”.

“A essência das coisas e a ligação que tudo tem com um passado remoto, com um velho mistério. Para os Terenos, o sol tem um sangue amarelo, uma essência amarela, as plantas têm uma essência verde, logo um sangue verde. Qual seria a cor do homem?”.







Buscando na natureza e a natureza dos homens em suas pesquisas de campo, no “tet à tet” com estes sujeitos que povoarão sua literatura, no desvendamento de mundo externo e interno, transformando o sertão em palavras, dando escrita a fala do povo e ao seu sentimento de mundo, Guimarães, com seu olhar da poética , do simples , do direto, busca esta essência. Nos remete a cultura destes povos de tradição oral onde foi nutrir-se, e que hoje, começam a apropriar-se da escrita como memória e sobre tudo como forma de sobrevivência e resistência cultural: "A escrita é a urna secreta que guarda os restos da fala".




A natureza, sujeito na obra Roseana assim como na cultura dos povos indígenas será o nosso fio condutor de onde partirá a nossa ação educativa especificamente dedicada ao museu casa de Guimarães Rosa.



Cada cultura criou sua maneira de nomear o mundo (suas cores) bebendo saberes diretamente da nossa maior mestra, a natureza. Sabedoria esta que Rosa descreve como saber e prudência que nascem do coração ligam os homens aos animais, plantas e paisagens que os circunda. Esse retorno à natureza, mas, bem entendido, um retorno pela via da poesia será o eixo de nossas ações.




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Clique nas imagens ou nos links abaixo e acesse os módulos da OFICINA AÇÃO EDUCATIVA / SUM - MUSEU MINEIRO E MUSEU CASA GUIMARÃES ROSA - desdobramentos do Projeto "Cultura Indígena - Um olhar diferenciado"


OS MIGUILINS AQUI FAZEM SUAS ESTÓRIAS






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A CADERNETA


A caderneta de anotações ”A boiada” de Guimarães Rosa, em uma viagem que fez com os vaqueiros pelo sertão de Minas no ano de 1952, é o objeto inspirador na criação desta ação.
As anotações de Guimarães em “A boiada” representam um inventário informal da flora e da fauna do sertão mineiro na década de 1950 e uma descrição da vida sócio-cultural do vaqueiro.
Rosa está totalmente atento aos sinais da natureza, vivenciando e experienciando através dos sentidos: do olhar, do degustar, cheirar e escutar. Assim, integrado ao cosmos, Guimarães respira a terra, canta as águas, desenha com os dedos morros e caminhos.






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O DIA EM TRÊS ETAPAS




“A vida não tem rascunho e se modifica a cada instante...”.

Vemos o jovem, sobre tudo hoje, muito distanciado do chamado ritmo biológico em função de uma prática cultural e econômico/ social a cada dia mais desvinculada da natureza. Tem caso de crianças que pensam que ovos e laranjas já saem encaixotados e o leite vem da caixinha. Presos ao tempo mecânico (do relógio), esquecemos que o que gera nosso próprio organismo são as leis naturais, e que há uma reciprocidade entre nosso mundo e o mundo natural que ignoramos ou subestimamos.
O que move os sentimentos e aquece o gesto ritual é, sempre, um valor: a comunhão com a natureza, com os homens, com Deus, a unidade vivente de pessoa e mundo, o estar com a totalidade.








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AS ESTAÇÕES



Em suas anotações em “A boiada” Guimarães revela um tipo de saber do sertanejo que vive em contato com o meio e aprende a ler os ritmos da natureza. As diversas espécies e seus ciclos migratórios, os períodos de estiagem e chuvas, colheitas, florescências, friagem, quentura.
Assim como acontece com os índios “aprender a ler os ciclos e ritmos do mundo natural é fundamental para estes vaqueiros do sertão de Minas, pois é através dessa leitura que precede a leitura da palavra, que eles vão construindo e reconstruindo saberes, cultura e identidade”.


(Ser-tão natureza / Mônica Meyer).




As Anotações de Guimarães em “A boiada” servirão também aqui como sugestão para o exercício, distribuídas para serem lidas no grupo.






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O JOGO: PESQUISADOR X INFORMANTE



“Um sentir é do sentente o outro é do sentidor”


A idéia é de que “o viajante” não pode ver tudo com seus olhos, sendo obrigado a basear-se nas informações de outrem, que, por conseguinte está sujeito a enganar-se. O informante e o espectador a partir desta vivência constarão que tem percepções diferentes sobre um mesmo acontecimento.
Vivenciar como que as palavras não conseguem fixar e transmitir com exatidão a sensação vivida e finalmente constatar que a percepção esta intimamente associada a uma vivência.
O Sentimento percebido e apreendido numa determinada situação vivencial é pessoal, intransferível e temporal com um período de vida definido.






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POR DENTRO DA GRUTA

No coração de Cordisburgo, Maquiné: “Em toda a parte o sertão é dentro da gente”


Guimarães rosa em seu discurso de posse na academia brasileira de letras se refere à gruta de Maquiné como "mil maravilha, a das fadas".
A gruta nos leva ao inconsciente, ao ventre da terra, a imersão, a abstração. É o encontro consigo, com o sutil que nos faz um admirador das maravilhas.



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MOMENTO NONADA


Nenhum autor brasileiro foi tão fundo como Guimarães na arte de "inventar" palavras: circuntristeza, suspirância, velhouco, ensimesmudo, embriagatinhar, nonada, aruvalho, mimbauamanhanaçara… Calma! Não se espante. Não é tão complicado assim. Rosa não queria que seus leitores vivessem consultando dicionários (até porque essas palavras não serão encontradas lá). Outro facilitador é que Guimarães faz o som acompanhar o significado das palavras. As palavras seriam como enigmas divertidos.
O contexto da obra e um mínimo conhecimento de radicais, às vezes, bastam para decifrar os risonhos significados.




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OS TRABALHOS PRODUZIDOS DURANTE A OFICINA E SEUS AUTORES



Aqui voce terá acesso a todos os trabalhos feitos durante a ação educativa do "Projeto cultura indígena : um olhar diferenciado" no Museu Casa Guimarães Rosa.







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ESGRAFITO


Técnica de desenho que sobrepõe o nanquim em camadas de lápis cera sobre o papel criando-se assim duas camadas, uma aquosa a base de água e a outra gordurosa, o procedimento consiste exatamente na raspagem da primeira camada (nanquim) e aparição da segunda (lápis de cera).
Para saber mais sobre a técnica clique na foto ou no link abaixo:




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